Turistas não há mais: chamada de ensaios sobre cidades turísticas no pós-pandemia

A Torre Eiffel, desenhada e erguida para a Exposição Universal de Paris em 1889 celebrava novos métodos e materiais industriais, e a inovação de se construir em altura. Apesar de ter apenas um patamar inaugurado a tempo para a exposição, a torre já possibilitava a seus visitantes uma visão aérea de sua cidade. Isso era particularmente interessante naquele momento, em que se celebravam as recentes Reformas de Paris (1853-1975), por Barão Haussmann, e seu racional, inovador e controverso plano urbano para a cidade.

A experiência que a torre prometia era tanto relacionado à sua construção e monumentalidade, quanto a vivência do desenho urbano. Não é à toa que Paris hoje é considerada como um dos lugares mais turísticos do mundo. Seus atrativos, que vão muito além da Torre Eiffel, foram arquitetados de tal maneira a chamar a atenção para a potência francesa. Usar grandes construções como uma bandeira para importância e poder de certos territórios ou soberania vigente é uma tática milenar. Mas além de criar imponentes construções e monumentos, a diferença que as Exposições Universais trazem, a começar pelo exemplo do Palácio de Cristal em Londres em 1851, é a celebração da revolução industrial e seu potencial inovador: a busca por um novo jeito de ver e interagir com o mundo.

Paris, França. Foto de MONSTRZ. Licença CC BY-NC-SA 2.0

Além de permitir construções transformadoras, uso inédito de materiais e técnicas engenhosas em larga escala, é o avanço da indústria que também facilita o intercâmbio de objetos, culturas e pessoas, agora se deslocando com mais facilidade pelo mundo. Novas tecnologias passam a facilitar o transporte e locomoção, e viagens transatlânticas ou para locais longínquos começam a ser um pouco mais acessíveis ao público. É no advento das Grandes Exposições Universais abertas ao público que vemos também um marco de grandes mudanças no turismo, que passa a ter uma nova escala e proporção. 

Deslocamentos turísticos aconteciam muito antes da revolução industrial também, mas com outros intuitos, escalas e volume. Peregrinações religiosas, por exemplo, constituem o que talvez se possa considerar um precursor e grande aliado ao turismo atual, movimentando milhões a cada ano ainda hoje. Promessas, rituais, celebrações e eventos atraem pessoas do mundo inteiro a se deslocarem para conhecer certos símbolos religiosos e confirmar ou celebrar sua fé. Isso pode estar ligado à uma construção monumental, ou apenas a certas paisagens e pontos específicos que carregam significados históricos e simbólicos. Além de um cunho religioso, em uma menor escala podemos reconhecer também diversas viagens relacionadas a educação das elites, como os tradicionais “Grand Tours” da aristocracia (principalmente) britânica nos séculos XVII e XVIII para Itália e França. Estas viagens tinham como intuito a erudição nas “raízes da cultura ocidental”. Nobres visavam aperfeiçoar seu conhecimento sobre costumes e línguas estrangeiras, e colecionar e comercializar clássica arte local.  

Mona Lisa no Museu do Louvre. Foto de sebr. Licença CC BY-NC-SA 2.0

Hoje continuamos a viajar pelos mais variados motivos, não necessariamente relacionados à fé ou status social, mas sendo uma prática quase cotidiana para alguns justamente pela facilidade de deslocamento. Atividades como entretenimento, gastronomia, esportes e vivências ambientais têm crescido exponencialmente por causa do turismo. Antes algumas dessas dinâmicas eram mais limitadas às relações locais e regionais ou financiadas como expedições exploratórias buscando domínio territorial ou de recursos naturais, mas a simplicidade de se viajar atualmente contribui para o aumento exponencial na escala destes movimentos de trânsito. E também traz consequências diretas à dinâmica e espaços das cidades que recebem essas hordas de visitantes. Os estímulos para atrair público à determinados lugares específicos também são estratégicos, e acabam direcionando benefícios justamente por causa das multidões cativadas (o que às vezes também pode ter efeitos contrários). Listas como as “Grandes Maravilhas do Mundo” são engenhosas. Atos de patrimonialização também. 

Turismo gira a economia, e há um incentivo enorme para isso. A indústria do entretenimento em alguns casos não só faz parte do ciclo do turismo (vide Las Vegas ou Los Angeles), mas taticamente cria uma narrativa para novos espaços de atração. Hollywood incentiva a indústria automobilística, e que por sua vez, incentiva viagens por antes inóspitos lugares do país. Parques de diversão, antes também espaços temporários para entretenimento local, ganham novas proporções e marketing quando incorporam temas específicos ligados ao cinema e a televisão e tornam-se atrativos globais. 

Veneza, Itália. Foto de Navnetmitt. Licença CC BY 2.0

A escala do turismo e seus deslocamentos hoje é algo sem precedentes. Mas em um momento de pandemia, isso fica ainda mais evidente. Imagens de grandes polos de entretenimento globais vazios impressionam, e seu reconhecimento por moradores locais, aproveitando enquanto fronteiras permanecem fechadas, parece uma grande oportunidade. Mas além desses monumentos específicos e pontuais, os bairros em seu entorno também acabam servindo quase exclusivamente à demanda dos turistas. O fluxo intenso de pessoas estrangeiras circulando por certas áreas, faz com que as cidades também passem a se organizar de acordo com esse movimento. Mas o que acontece agora enquanto não só voltamos à escala local de atividades, mas muitos desses marcos permanecem fechados a qualquer público? E como lidamos com sua lenta reabertura e limitado acesso? Como é a vida em um lugar que acabou se estruturando em volta do mercado turístico, agora que turistas não há mais? Apesar de temporário o fechamento desses espaços, e proibições a viagens, vale o reconhecimento da escala que o turismo tem e seu impacto nas cidades e paisagens ao notarmos o contraste que leva a esse vazio atual.

CHAMADA ABERTA

Em meio a pandemia, fronteiras fechadas e reclusão social você se vê residindo em uma das cidades mais turísticas do mundo. Se o cotidiano dos espaços é geralmente pautado por favorecer multidões de estrangeiros e transeuntes temporários, como fica a dinâmica da cidade e seu funcionamento quando visitantes são proibidos? Como autoridades e a própria população lida e usa esses espaços agora mais vazios? Como é o reconhecimento dos hábitos e utilidades que o cidadão busca para sua própria cidade, sem se preocupar com o entretenimento forasteiro? 

E quando as portas começam a se abrir, uma nova realidade cotidiana se instaura. Será que caminhamos para uma mudança permanente, ou aos poucos vamos voltar ao que era antes? A cidade se adapta às novas regras de distanciamento com marcas e sinalizações. Como são os novos espaços de encontro? Como ficam as relações cotidianas entre habitantes, e com o retorno dos estrangeiros? 

Buscamos registrar algumas das suas impressões e pensamentos sobre o uso e dinâmica da sua cidade durante essa curta janela de tempo em que quem vivencia os espaços não são turistas, e sim moradores locais. Pedimos para que junto com sua reflexão por escrito (por favor se mantenha a um limite máximo de uma página – por volta de 3000 caracteres), nos envie também um ensaio fotográfico registrando esse momento sem precedentes. 

Enviar para sua resposta para : ma.rosenfeldsz@gmail.com; laubelik@gmail.com
Assunto do e-mail: Desestrutura turística
Prazo: prorrogado para 15 de agosto de 2020

Sua resposta será publicada junto à experiências de outros colaboradores aqui: https://www.desestrutura.com/turistas-nao-ha-mais

Chamada organizada por Laura Belik e Marina Rosenfeld Sznelwar

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Sobre este autor
Cita: Laura Belik. "Turistas não há mais: chamada de ensaios sobre cidades turísticas no pós-pandemia" 23 Jun 2020. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/942176/turistas-nao-ha-mais-chamada-de-ensaios-sobre-cidades-turisticas-no-pos-pandemia> ISSN 0719-8906

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